Revogação da Prisão Preventiva: Garantindo o Direito à Liberdade Durante o Processo Penal

Após a audiência de custódia, onde se pode pleitear a liberdade provisória, o acusado que permanece sob prisão preventiva encontra na revogação dessa medida uma possibilidade de recuperar a liberdade. Prevista no artigo 316 do Código de Processo Penal, a revogação da prisão preventiva se apresenta como um instrumento de controle sobre uma medida que, embora legítima, deve ser aplicada em situações estritamente excepcionais.

Neste segundo artigo da série, analisaremos os fundamentos que justificam a excepcionalidade da prisão preventiva, com base nos princípios constitucionais e no caráter subsidiário dessa medida. Além disso, abordaremos como o advento da Lei nº 12.403/2011, que introduziu as medidas cautelares alternativas, reafirmou a excepcionalidade da prisão preventiva e ampliou os instrumentos disponíveis para o juiz assegurar o prosseguimento do processo penal.

Prisão Preventiva: Por Que é Uma Medida Excepcional?

1. Fundamento Constitucional da Excepcionalidade

A excepcionalidade da prisão preventiva decorre da interpretação de princípios constitucionais fundamentais, como:

  • Presunção de Inocência (art. 5º, LVII, CF):
    O Estado deve tratar o acusado como inocente até o trânsito em julgado de sentença condenatória. Portanto, a privação de liberdade antes do julgamento só pode ocorrer em situações extraordinárias.
  • Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, CF):
    A restrição de liberdade deve respeitar o princípio da proporcionalidade, sendo limitada às hipóteses estritamente necessárias para a preservação do processo penal.
  • Proporcionalidade e Necessidade:
    A prisão preventiva só pode ser utilizada quando for proporcional ao objetivo pretendido e indispensável para assegurar o bom andamento do processo penal.

2. O Caráter Subsidiário da Prisão Preventiva

A prisão preventiva deve ser vista como o último recurso, aplicável apenas quando nenhuma outra medida cautelar puder alcançar os objetivos do processo. Isso reforça sua natureza subsidiária e a necessidade de demonstrar concretamente a insuficiência de outras alternativas.

A Lei nº 12.403/2011: Um Novo Paradigma no Processo Penal

Antes da entrada em vigor da Lei das Cautelares, em 2011, os juízes dispunham de opções limitadas para lidar com situações que exigiam cautela. Na prática, isso levava a um uso excessivo da prisão preventiva, muitas vezes aplicada de forma genérica ou desnecessária.

1. Contexto Antes da Lei das Cautelares

  • Poucas opções além da prisão:
    O juiz tinha poucas alternativas para assegurar o andamento do processo penal e a proteção da sociedade, o que resultava em uma dependência excessiva da prisão preventiva.
  • Uso genérico da prisão:
    Muitas vezes, a prisão preventiva era aplicada em situações em que medidas menos gravosas poderiam ser suficientes, gerando encarceramento em massa, inclusive de pessoas que não representavam riscos reais.

2. Mudanças Trazidas pela Lei nº 12.403/2011

A Lei das Cautelares representou um marco na tentativa de limitar o uso da prisão preventiva, ao introduzir alternativas mais proporcionais e menos gravosas. As principais inovações foram:

  • Criação das Medidas Cautelares Alternativas (art. 319 do CPP):
    Incluindo opções como monitoramento eletrônico, proibição de frequentar determinados locais e comparecimento periódico em juízo, que permitem proteger o processo penal sem necessidade de encarceramento.
  • Reforço do Princípio da Proporcionalidade:
    A prisão preventiva passou a ser uma medida de última ratio, aplicável apenas quando nenhuma das alternativas cautelares pudesse atingir os objetivos processuais.

3. Impacto na Excepcionalidade da Prisão Preventiva

Com mais opções à disposição, o juiz ganhou instrumentos que tornaram a prisão preventiva ainda mais excepcional. Hoje, a sua aplicação exige:

  • Fundamentação concreta e específica;
  • Demonstração da inadequação de outras medidas cautelares;
  • Respeito ao princípio da homogeneidade.

Exemplo Prático:
“Antes de decretar a prisão preventiva em um caso de furto, o juiz deve avaliar se o comparecimento periódico em juízo e a proibição de frequentar determinados locais não seriam suficientes para atender às necessidades do processo.”

Fundamentos para a Revogação da Prisão Preventiva

A revogação da prisão preventiva está prevista no artigo 316 do Código de Processo Penal, permitindo ao juiz, de ofício ou mediante provocação da defesa, reavaliar a medida cautelar sempre que os fundamentos que a sustentam não existam mais ou se tornem inadequados. A seguir, analisaremos os principais argumentos e estratégias para pleitear a revogação dessa medida, considerando a legislação, os princípios constitucionais e o contexto do caso concreto.


1. Falta ou Insuficiência do Fumus Comissi Delicti

O fumus comissi delicti refere-se à existência de indícios suficientes de autoria e materialidade do crime. Quando esses indícios se mostram frágeis, inconsistentes ou são superados por novos elementos no processo, a prisão preventiva pode perder sua validade.

Estratégia de Defesa:

  • Demonstrar que provas colhidas ao longo do processo contradizem ou enfraquecem os indícios iniciais.
  • Apresentar novos elementos que afastem a autoria ou demonstrem dúvidas razoáveis sobre a materialidade.

Exemplo Prático:
“Após a análise das câmeras de segurança e a oitiva das testemunhas, verificou-se que o acusado sequer estava presente no local do crime no momento dos fatos, tornando desnecessária sua manutenção sob custódia.”


2. Ausência do Periculum Libertatis

O periculum libertatis refere-se ao risco concreto que a liberdade do acusado pode representar ao processo penal. Quando as circunstâncias que justificaram esse risco se modificam ou deixam de existir, a prisão preventiva perde sua razão de ser.

Critérios Comuns de Periculum Libertatis:

  • Garantia da ordem pública:
    Deve ser demonstrado que o acusado representa uma ameaça concreta à sociedade, e não apenas baseada na gravidade abstrata do crime.
  • Conveniência da instrução criminal:
    O risco de interferência na colheita de provas deve ser fundamentado e atual. Após a conclusão de fases importantes da instrução, como oitiva de testemunhas e realização de perícias, esse risco é reduzido.
  • Aplicação da lei penal:
    A prisão só se justifica se houver evidências de que o acusado pretende fugir ou se ocultar para evitar a aplicação da pena.

Estratégia de Defesa:

  • Demonstrar que o acusado possui condições pessoais favoráveis, como residência fixa, emprego e ausência de antecedentes criminais.
  • Sustentar que a instrução processual já foi concluída, eliminando o risco de interferência.

Exemplo Prático:
“O interrogatório das testemunhas e a perícia técnica foram concluídos, não havendo qualquer elemento que justifique a manutenção da custódia sob o fundamento de proteção à instrução criminal.”


3. Falta de Contemporaneidade

Com o advento do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), a reavaliação periódica da prisão preventiva passou a ser obrigatória, exigindo que a medida seja atualizada com base nos fatos concretos do momento. A falta de contemporaneidade entre os fatos que justificaram a prisão e a situação processual vigente é um fundamento legítimo para a revogação.

Estratégia de Defesa:

  • Apontar que os fatos utilizados para justificar a prisão ocorreram há meses ou anos e que não há atualizações que sustentem a medida.
  • Citar decisões recentes que reforcem a necessidade de contemporaneidade na fundamentação das prisões.

Exemplo Prático:
“Os fatos utilizados para fundamentar a prisão ocorreram há mais de um ano, sem qualquer evidência de que o acusado tenha interferido no processo ou ofereça risco atual à sociedade.”


4. Possibilidade de Aplicação de Medidas Cautelares Alternativas

A introdução das medidas cautelares alternativas pela Lei nº 12.403/2011 reforça que a prisão preventiva deve ser substituída sempre que possível. Quando as condições do acusado indicam que medidas menos gravosas podem atingir os objetivos processuais, a prisão deve ser revogada.

Exemplo de Medidas Cautelares (art. 319, CPP):

  • Monitoramento eletrônico;
  • Comparecimento periódico em juízo;
  • Proibição de frequentar determinados locais;
  • Suspensão de atividades que possam facilitar a prática de novos delitos.

Estratégia de Defesa:

  • Sugerir medidas cautelares proporcionais ao caso concreto, demonstrando que são suficientes para garantir o andamento processual.

Exemplo Prático:
“O acusado pode ser monitorado eletronicamente, combinado com o comparecimento periódico em juízo, medidas que garantem a aplicação da lei penal sem a necessidade de privação de liberdade.”

Jurisprudência e Exemplos Práticos

A análise da jurisprudência é essencial para fortalecer o pedido de revogação da prisão preventiva. Os tribunais superiores têm reafirmado, com frequência, o caráter excepcional dessa medida e a necessidade de fundamentação concreta para sua manutenção. A seguir, destacam-se casos relevantes e sua aplicação prática.


1. Exigência de Fundamentação Concreta

A decisão judicial que decreta ou mantém a prisão preventiva deve conter elementos específicos que demonstrem a necessidade da medida. Justificativas genéricas, como a gravidade abstrata do crime, têm sido reiteradamente rechaçadas.

Jurisprudência Relevante:

  • STF, HC 186.835/SC:“A prisão preventiva deve ser fundamentada com base em fatos concretos que demonstrem a necessidade da medida, sendo insuficientes alegações genéricas ou a gravidade abstrata do delito.”

Exemplo Prático:
“Em um caso de roubo simples, o juiz decretou a prisão preventiva com base apenas na gravidade do crime. O STF, em habeas corpus, determinou a soltura do acusado, ressaltando a ausência de elementos concretos para justificar a custódia.”


2. Necessidade de Contemporaneidade

A contemporaneidade dos motivos é um requisito central para a manutenção da prisão preventiva. O Pacote Anticrime reforçou essa exigência ao introduzir a reavaliação periódica obrigatória no artigo 316 do CPP.

Jurisprudência Relevante:

  • STJ, HC 598.051/SP:“A prisão preventiva deve ser reavaliada periodicamente, considerando as circunstâncias do caso concreto, sob pena de se tornar ilegal pela falta de contemporaneidade dos motivos que a fundamentaram.”

Exemplo Prático:
“Em um processo de tráfico de drogas, a prisão preventiva foi mantida por mais de um ano sem reavaliação. O STJ determinou a revogação, argumentando que os motivos iniciais não eram mais atuais.”


3. Substituição por Medidas Cautelares

Os tribunais têm reforçado que as medidas cautelares alternativas devem ser priorizadas, especialmente em casos onde a pena final provável não seria privativa de liberdade.

Jurisprudência Relevante:

  • STF, HC 146.641/SP:“As medidas cautelares alternativas devem ser aplicadas sempre que suficientes para atingir os objetivos processuais, especialmente em casos de crimes sem violência ou grave ameaça.”

Exemplo Prático:
“Em um caso de estelionato, o acusado foi mantido preso preventivamente. A defesa argumentou que o monitoramento eletrônico e o comparecimento periódico em juízo seriam suficientes. O STF concedeu habeas corpus, substituindo a prisão por medidas cautelares.”


4. O Princípio da Homogeneidade na Jurisprudência

O princípio da homogeneidade tem sido aplicado para evitar que a prisão preventiva imponha uma restrição mais severa do que a pena provável ao final do processo.

Jurisprudência Relevante:

  • STF, HC 202.053/PR:“A prisão preventiva não pode antecipar a pena, especialmente quando as circunstâncias do caso indicam a possibilidade de aplicação de pena não privativa de liberdade.”

Exemplo Prático:
“Em um caso de furto simples, o STF revogou a prisão preventiva, sustentando que a pena provável seria de prestação de serviços à comunidade, tornando a prisão desproporcional.”

Conexão com o Próximo Artigo

Se a revogação da prisão preventiva for indeferida, a defesa ainda pode recorrer a um instrumento jurídico de grande relevância: o habeas corpus. Esse mecanismo, que será o tema do terceiro e último artigo da série, permite questionar decisões que mantêm a prisão preventiva de forma ilegal ou desproporcional, levando a análise do caso a tribunais superiores.

O próximo artigo abordará:

  • O que é o habeas corpus e como ele pode ser utilizado para reverter a prisão preventiva.
  • Estratégias para redigir um pedido de habeas corpus sólido, destacando ilegalidades na manutenção da prisão.
  • Jurisprudência relevante e exemplos práticos de concessão de liberdade por meio desse remédio constitucional.

Com a análise do habeas corpus, a série será concluída, oferecendo uma visão abrangente e prática sobre os principais mecanismos para pleitear que o acusado responda ao processo em liberdade.


Conclusão

A revogação da prisão preventiva é uma medida indispensável para garantir que essa restrição excepcional de liberdade não seja utilizada de forma desproporcional ou abusiva. Com o advento de mudanças legislativas, como a Lei nº 12.403/2011 e o Pacote Anticrime, o sistema de justiça penal ganhou novos instrumentos que reforçam a excepcionalidade da prisão preventiva, priorizando medidas cautelares alternativas.

A defesa deve estar preparada para construir um pedido de revogação sólido, fundamentado em argumentos jurídicos robustos, documentos que demonstrem condições pessoais favoráveis e jurisprudência que fortaleça a tese. Quando bem fundamentada, a revogação da prisão preventiva é um mecanismo eficaz para restabelecer o direito à liberdade e garantir a proporcionalidade no processo penal.

Com o amadurecimento da atuação defensiva ao longo do processo, o habeas corpus pode ser o próximo passo para buscar a liberdade do acusado, assegurando que princípios constitucionais sejam respeitados e que o sistema de justiça opere dentro dos limites do Estado Democrático de Direito.

5/5

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